sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Romance : Memórias Póstumas de Brás Cubas


  • AO LEITOR


Que Stendhal confessasse haver escrito
um de seus livros para cem
leitores, coisa é que admira e consterna.
O que não admira, nem
provavelmente consternará é se este
outro livro não tiver os cem
leitores de Stendhal, nem cinquenta,
nem vinte e, quando muito,
dez. Dez? Talvez cinco. Trata-se, na
verdade, de uma obra difusa, na
qual eu, Brás Cubas, se adotei a forma
livre de um Sterne, ou de um
Xavier de Maistre, não sei se
lhe meti algumas rabugens de
pessimismo. Pode ser. Obra de
finado. Escrevi-a com a pena da
galhofa e a tinta da melancolia, e
não é difícil antever o que poderá
sair desse conúbio. Acresce que a gente
grave achará no livro umas
aparências de puro romance, ao passo
que a gente frívola não achará
nele o seu romance usual; ei-lo aí
fica privado da estima dos graves e
do amor dos frívolos, que são as
duas colunas máximas da opinião.
Mas eu ainda espero angariar as simpatias
da opinião, e o primeiro
remédio é fugir a um prólogo explícito e
longo. O melhor prólogo é o
que contém menos coisas, ou
o que as diz de um jeito obscuro e
truncado. Conseguintemente,
evito contar o processo extraordinário
que empreguei na composição destas
Memórias, trabalhadas cá no
outro mundo. Seria curioso, mas
nimiamente extenso, e aliás
desnecessário ao entendimento da obra.
A obra em si mesma é tudo:
se te agradar, fino leitor, pago-me
 da tarefa; se te não agradar,
pago-te com um piparote, e adeus.
 
                                                                 Brás Cubas
 

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